terça-feira, 22 de agosto de 2017

Capítulo 1 - Minha Saudade Eterna

              Nova York. É aqui que se passa esta história. Como num grande ciclo tudo começa e termina nesta cidade. Ou melhor, num ponto específico desta cidade. Numa ponte. Ponte George Washington, ou como eu vou me referir de agora em diante, simplesmente a Ponte do Brooklyn. Foi nesta ponte que minha vida mudou para sempre. Diria mais até. Foi nesta ponte que uma parte de mim morreu. Aconteceu há oito anos. Mas ainda está tão presente em mim que parece que se repete todas as noites. Ou quase todas.
            Existe uma razão para eu ser um fotógrafo. É porque não sei escrever muito bem. Mas vou tentar relatar tudo o que aconteceu para que vocês possam ao menos tentar entender os fatos. Hoje, eu acredito que as coisas sempre ficam muito, muito ruins antes de começarem a melhorar. Não necessariamente melhorar muito, embora eu não fosse me queixar se isso acontecesse. Quando vejo o rumo que minha vida tomou até agora, percebo que esse é o único jeito de encarar tudo que aconteceu. O bem segue o mal. Uma coisa incrível.
Garanto a vocês que como toda história que se preze, é tudo por causa de uma garota. Sim, uma garota. Meu primeiro grande amor que foi brutalmente arrancada de mim. Sei que ela nunca vai ler essas palavras, mas quem sabe um dia alguém pode querer saber sobre ela. Sobre nós. Ela foi tão importante pra mim que eu pretendia passar o resto da minha vida com ela. Nunca imaginei que o destino levaria só ela a passar o resto vida comigo. Bom, não tem nada que eu possa fazer a respeito e preciso aceitar isso.
Sabe, quando perdemos alguém que amamos, todo mundo diz: "A vida não para. Tem que tocar a bola pra frente. Não é isso que ela ia querer". Isso me faz rir. Como se algum dia eu pudesse me esquecer dela. O jeito de o seu cabelo cair sobre o rosto. O modo como ela tomava refrigerante...
            Meu nome é Peter Parker. Trabalho como fotógrafo no maior jornal aqui da cidade, o Clarim Diário. Mas nas horas vagas dou uma de "vigilante mascarado". Suponho que você já tenha me visto balançando por aí num colante azul e vermelho.  Suponho também que você já conheça a minha história, mas vou resumi-la pra você: quando eu tinha quinze anos, uma aranha irradiada me picou e fez com que eu adquirisse superforça, capacidade de subir em paredes, entre outras coisas. Depois disso, inventei esse uniforme colorido e um fluido de teia que me permitia balançar entre os prédios. No começo, pensei em utilizar estes poderes para ganhar uma grana, ajudar meus tios com as contas e tal. Até que meu tio Ben foi assassinado por um ladrão - que por coincidência tinha sido o mesmo ladrão que eu deixara escapar horas antes em uma de minhas aparições na TV.
            Me senti culpado pela morte do Tio Ben e depois daquele dia jurei que faria de tudo para proteger meus entes queridos - nunca conheci meus pais, eles morreram quando eu era bebê. Então meus tios que me criaram é que foram as minhas figuras paternas. Quando o Tio Ben morreu, era como se eu tivesse perdido meu pai outra vez. Mas essa história não é para falar do meu tio. Mas de outra pessoa querida que também não fui capaz de proteger. Já se passaram oito anos, mas a imagem dela nunca esteve tão viva na minha mente.
            O motivo de se manter uma identidade secreta é porque existem vilões que podem, e vão tentar te atingir através das pessoas que você ama, certo? Bom, acontece que um desses vilões, talvez o mais aterrador de todos, descobriu quem eu realmente era. O nome dele era Norman Osborn, e ele era pai do meu melhor amigo, Harry. Mas eu prefiro me referir a ele pelo seu outro nome: Duende Verde. Saber que ele era pai do meu amigo já me colocava num beco sem saída, mas ficou pior ainda depois que ele me desmascarou. A partir daí, o velho Norman ficou obcecado em me destruir, não fisicamente, mas atingir o meu coração. E conseguiu.
            Há oito anos, o Duende Verde capturou a garota que eu amava e usou-a como isca para uma armadilha para me pegar. E foi então que duelamos naquela maldita ponte. E apesar de eu fazer todo o possível, ela morreu. Tão jovem. Com uma vida inteira pra viver. Mas teve sua vida ceifada por aquele psicopata. Na mesma noite tivemos um combate de vida ou morte e o velho Duende também morreu. Empalado pelo próprio jato. Mas a morte de Norman de nada serviu. Matar o Duende não ia trazer a minha namorada de volta. Ela já estava morta. E uma parte de mim morreu junto com ela.
            Gwendolyne Stacy. Este é o nome daquela garota. Gwen. A mulher que eu amava. Cabelos loiros até o meio das costas. Olhos grandes e azuis. A primeira vez que vi aqueles olhos, minhas pernas viraram geleia. Nos conhecemos no meu primeiro ano na Universidade Empire State. Fomos colegas no curso de bioquímica. E foi ali que aquela loira chamou a minha atenção pela primeira vez. Mas naquela época eu ainda era o "Peter Parker nerd CDF" que não tinha nenhum jeito com as garotas. Sem falar que tinha acabado de sair de outro relacionamento, então quando entrei na faculdade não estava interessado em namorar ninguém - até ver aqueles olhos pela primeira vez.
            Gwen era filha de um dos policiais mais respeitados de Nova York, o Capitão George Stacy, a quem eu já conhecia desde meus primeiros anos como Homem-Aranha. Mas até aquele ano na faculdade, não sabia que ele tinha uma filha. Meu tio Ben costumava dizer que "a juventude é desperdiçada com as pessoas erradas". Aquela garota era linda demais pro Parker nerdão aqui, ela iria querer sair com caras ricos como o Harry ou atletas populares como Flash Thompson - que por coincidência também estavam estudando comigo na mesma turma.
            Parece que foi ontem que tomei coragem de puxar conversa com ela pela primeira vez. Eu tava juntando uma grana pra comprar uma motocicleta - não dá pra ser o Amigão da Vizinhança vinte e quatro horas por dia, eu precisava de outro meio de transporte pra trabalhar e estudar. O cara da loja me dizia que "moto é que nem mulher, não adianta ficar só olhando, paquerando. Você só vai saber se ela é boa mesmo quando levar ela pra dar umas voltas." Eu enfrentaria o Duende Verde, o Dr. Octopus e o Homem-Areia, mas tomar aquela decisão... gastar tanto dinheiro... hesitei. De repente, talvez por acaso, ou quem sabe Deus tenha senso de humor e a gente faça parte da piada dele, a galera da faculdade passou bem em frente à loja. E Gwen estava lá gargalhando. Não de mim. Eu nem sei qual era o assunto tão engraçado, mas só de vê-la tão feliz tomei a minha decisão. Comprei a motocicleta. Talvez popularidade não seja uma coisa de duas rodas que se compra numa loja, mas naquele momento, bem que parecia.
            Saí da loja e fui direto para onde estava a turma. Confesso que foi pra me exibir mesmo. A moto nem era zero quilômetro. Encostei onde estava a turma e perguntei: "Alguém quer carona?" Gwen olhou pra mim com aqueles olhões e me perguntou se ela andava bem. Minha voz quase não saiu direito, mas respondi que sim. Ela montou na minha garupa, agarrou a minha cintura e disse: "Eu gosto bem rápido." Gwen Stacy. Realmente incrível. Eu só estava com a garota mais linda do meu curso, quiçá da cidade abraçada em mim. Naquele momento, eu não podia imaginar que minha vida ficasse melhor. Pelo visto, eu ainda tinha muito que aprender sobre como esse papo de bom e mau funciona.
            Não foi dessa vez ainda que começamos a namorar. Mas foi a partir desse ponto que comecei a me enturmar mais com a galera da faculdade. E foi assim que fui me aproximando cada vez mais dela. E ela ficava me olhando daquele jeito que me deixava com as pernas bambas. Imaginem só, o grande Homem-Aranha tendo dificuldade em controlar as pernas por causa de uma garota. Foi nesse momento que começou a minha transição de "Peter Parker é um nerd CDF" pra "até que o Peter não é de se jogar fora". Em outros tempos eu jamais pegaria uma loiraça daquelas. E eu me lembro de ter sido bobo o bastante pra pensar: "vamos nos apaixonar". Parecia ridículo. Impossível. Gwen Stacy se interessar por mim? Na minha cabeça aquilo era surreal demais.
            Vou abrir um parêntese aqui. Embora eu sempre vá dizer que Gwen Stacy foi o meu primeiro grande amor (do segundo contarei em páginas futuras), ela não foi a minha primeira namorada. Há pouco disse que quando entrei na faculdade tinha acabado de sair de um relacionamento e não estava com cabeça pra garotas. Pelo menos não até ver Gwen pela primeira vez. Quando eu era adolescente eu era bem desajeitado, principalmente quando o assunto eram garotas. Talvez tenha sido por isso que meu namoro com Betty Brant não tenha dado certo. Tudo bem. Já superamos isso. Prosseguimos com nossas vidas cada um para um canto. Hoje somos apenas bons amigos e colegas de trabalho, já que ela trabalha até hoje como secretária do meu chefe no jornal. Fecha o parêntese.
            Como se minha vida já não estivesse complicada o suficiente, eu sabia que pra pensar em me arriscar a chamar a Gwen pra sair, eu precisaria ter condições de... bom... pelo menos pagar um cinema ou lanchonete. O problema é que eu também tinha que pagar a faculdade, a moto, ajudar nas contas da casa... e meu emprego não pagava lá essas coisas. Resumindo: Peter Parker, fotógrafo pobretão e azarado. Percebe como minha vida era uma verdadeira tragicomédia? Eu queria sair com uma deusa como Gwen Stacy, mas não tinha grana. Dava pra conseguir o dinheiro, mas pra isso eu iria ter que tirar fotos de algum supervilão arrebentando comigo. Bom, na minha cabeça, valia a pena.
             Talvez fosse o fato de ela ser filha do um dos mais respeitados policiais de Nova York, não sei. Mas algo na minha cabeça dizia que eu precisava ficar com aquela menina. Como eu já disse antes, eu conhecia o pai dela: o Capitão Stacy. E o velho sabia que eu era o Homem-Aranha. Mas ele amava a filha o bastante para deixa-la se envolver comigo. Peter Parker, o Amigão da Vizinhança. Nunca fiquei sabendo como foi que ele descobriu minha identidade secreta – embora eu tenha que confessar que esse é o segredo mais mal guardado do mundo. Mas acredito que tenha sido por causa de uma vez em que ele me resgatou na rua todo machucado - depois de uma luta contra o Dr. Octopus - e me levou para a casa dele. Nessa época eu já estava namorando a Gwen. Foi aí que, mesmo ele sabendo da minha vida dupla (embora eu ainda não soubesse que ele sabia), o velho percebeu o quanto a filha dele era apaixonada por mim e permitiu o namoro. Nessa ocasião, Gwen bancou a enfermeira, tomou conta de mim e cuidou dos meus ferimentos. Tá, não foi a primeira vez que Gwen Stacy bancou a enfermeira e cuidou de mim – em outra ocasião eu tava super gripado e ela veio ler histórias pra mim (minha tia May disse pra ela que quando eu era criança meu tio Ben vinha ler histórias quando eu ficava doente, e ela resolveu fazer o mesmo).
Mas voltando à lembrança, na época que o Capitão me acolheu na casa dele, eu menti pra ela que tinha sido assaltado e o pai dela me ajudou. Ainda tenho cicatrizes daquela ocasião – teria sido muito melhor se eu já tivesse contado: “Bem Gwen, seu namorado é o Homem-Aranha”, mas como eu poderia fazer isso? Acho que ela nunca mais olharia nos meus olhos de novo e com certeza se recusaria a ficar com um herói cujas aventuras poderiam leva-lo à morte. Quanto ao Capitão, depois do Tio Ben, ele foi a minha figura paterna. Até aquele maldito dia em que eu estava lutando contra o Octopus novamente. No calor da batalha uma avalanche de tijolos ia cair em cima de um garotinho - e eu não percebi. O Capitão se atirou debaixo dos tijolos pra proteger o garoto. Se sacrificou para proteger um inocente. Ainda consegui tirar ele com vida de debaixo dos tijolos. Mas era tarde demais. O Capitão me chamou de Peter - e foi só aí que eu descobri que ele sabia da minha vida dupla - e me fez jurar que eu protegeria a sua filha. Eu jurei, mas olhando com os olhos de hoje só me culpo por ter sido incapaz de protegê-la. Não cumpri o juramento que eu fiz ao capitão.
            A morte do pai de Gwen foi o que começou a crise no nosso namoro. Ela culpava o Homem-Aranha, dizia que ele é que era o assassino do seu pai. Naquela época a imprensa não gostava muito de mim, e o Jameson, meu chefe, fazia questão de estampar na capa do jornal diariamente que eu era uma ameaça. Então, a imprensa me culpou pela morte do Capitão, e consequentemente a Gwen me culpava pela morte do pai dela, sem saber que era eu. E eu, lógico, não tinha forças pra dizer que eu é quem era o Homem-Aranha, e que não tive culpa pela morte do Capitão. Gwen se afastou de mim, aliás, de todos do nosso círculo de amizades. Pensei que fosse por causa do luto, mas isso não melhorou com o tempo. Eu tentava me defender, ou melhor, defender o Homem-Aranha, e ela me acusava de defender um assassino. Pior, o assassino do meu futuro sogro. Até que para esfriar a cabeça, Gwen decidiu ir passar um tempo com uns tios na Inglaterra. Até tentei argumentar, poderia ter revelado minha identidade ali, naquele momento, mas não tive forças... E Gwen Stacy passou meses na Europa, enquanto eu tentava juntar os cacos da minha vida.
            Ser o Homem-Aranha tomou muito tempo da minha vida. Um tempo precioso que eu só percebi depois da morte da Gwen. Não curtia as festas com meus amigos, não tinha tempo para a minha namorada, confesso a você, caro leitor, que se eu pudesse, voltaria no tempo só para desfazer algumas merdas que fiz por causa do Homem-Aranha, ainda que isso custasse a minha própria vida. Mas principalmente, meu maior sonho é poder ver aqueles cabelos loiros, aquele rosto adorável mais uma vez. Confesso que não faço a menor ideia do que aconteceu com a Gwen nesse período em que ela ficou na Europa. Conversávamos por carta ou telefone. Eu sempre percebia ela um pouco distante, mas não posso falar com todas as letras que tenha acontecido alguma coisa com ela lá. E de coração, nem quero saber. O que os olhos não veem o coração não sente. Ela já está morta e não pode mais se defender.
            Minha vida, que já estava muito ruim, começou a virar de cabeça pra baixo nesse período. Meu amigo Harry se envolveu com drogas e o pai dele (sim, o Duende Verde, que sabia minha identidade), não fez nada para que ele melhorasse. Norman não queria que o bom nome dos Osborn fosse manchado ao levar o Harry para um hospital. Mantinha o rapaz lá, com um médico particular. E como Norman e eu éramos inimigos mortais, eu não podia visitar o Harry, e o coitado pensou que eu é que o tinha abandonado. Harry era um cara legal, mas enlouqueceu quando o pai se matou (sim, foi ele que tentou me matar e morreu empalado pelo próprio jato), sucumbiu ao legado do pai e se tornou o segundo Duende – que ironia, meu maior amigo se tornava meu pior inimigo. Mesmo assim o que ele fez nunca chegou nem perto do que o pai dele fez. E outra coisa, de vez em quando ele procurava tratamento e se esquecia de que era um vilão. Então tivemos momentos bons, ele constituiu família, se casou e teve um filho – que por ironia do destino tem o nome do Duende original – Norman. Infelizmente, as drogas e a fórmula de Duende (que ele tentou reproduzir a partir dos diários do pai) também o mataram. E isso me emputece. Por que quem se aproxima de mim tem que morrer?
            Pois bem, foi nessa ocasião, com o Harry de cama após uma overdose de LSD, que a Gwen voltou da Europa. Eu também tinha acabado de chegar, após uma viagem ao Canadá - o Clarim me mandou pra lá para tirar fotos do Hulk, acreditem – e estava louco pra ver como o Harry estava – mas principalmente para rever meu grande amor de novo. Pedir desculpas pelas brigas, e talvez até revelar que eu era o Homem-Aranha. Sei que Gwen e Harry tiveram um relacionamento no passado, antes de eu conhecê-la, então deduzi que ela iria para lá primeiro. Minha esperança é de que ela explicasse que eu não o abandonei, mas era o pai dele que não me deixava entrar. Acredito que ela tenha conseguido, mas os fatos futuros fizeram ele me odiar por um longo tempo.
            De qualquer forma eu estava louco para rever a Gwen. Fui atrás dela. Nos reencontramos e nos amamos loucamente. Mesmo assim não tive coragem de contar que eu era o Aranha. Em compensação conversamos bastante naquela noite, depois de tantos meses longe um do outro:
            - Eu te amo Gwen, e sem ofensa, mas você tá errada!
            - Sobre o quê?
            - Antes de você viajar para a Inglaterra você disse algo sobre estarmos em direções opostas. Não estamos! Você é minha direção. E você sempre vai ser minha direção. Eu sei de um milhão de motivos pra não ficarmos juntos. Eu sei. Mas eu tô cansado deles. Eu tô cansado de cada um deles. Todos têm que fazer uma escolha, não é? E eu escolhi você. Então, essa é a minha ideia.
            - Qual?
            - Eu vou seguir você agora. Vou seguir você pra todos os lugares. Eu vou seguir você pelo resto da minha vida...
            Não terminei a frase. Gwen me beijou de uma forma apaixonada. Só comparo esse momento ao do nosso primeiro beijo. E como eu queria que o tempo parasse ali, naquele ponto. Gwen não morreria e uma parte de mim não morreria junto.
            Aquela foi a última noite que passamos juntos. No dia seguinte, aconteceu tudo o que aconteceu...
            Tenho evitado falar sobre esse momento, mesmo já tendo passado tanto tempo, ainda me machuca, mas eu preciso enfrentá-lo. Preciso contar a vocês o que aconteceu realmente naquela ponte, pois foi aquele momento crucial que mudou a minha vida pra sempre. A mulher da minha vida foi brutalmente assassinada, e nada do que eu fizer vai mudar isso...
            Gwen estava no meu apartamento, e eu tinha saído por um instante. Na certa o Duende tinha ido pra lá pra me pegar, e encontrou a Gwen – então pra me atingir, sequestrou ela. Acredito que era pra usá-la como isca para uma armadilha. Quando cheguei em casa encontrei uma bomba-abóbora, e uma bolsa – a bolsa que eu tinha dado pra ela de presente de natal. Nesse momento saí desesperado e torcendo pra que o Duende não tivesse machucado a mulher que eu amo. Que ironia do destino: depois de uma noite a sós com minha garota depois de tanto tempo longe, ela fora sequestrada por um maluco de ceroulas verdes. Me balancei que nem louco atrás deles, até que os encontrei naquela maldita ponte...
            Fiquei cego de ódio, quer dizer, me ameaçar tudo bem, agora ameaçar a vida da mulher que eu amo... parti pra cima dele com todas as minhas forças, mas o Norman, apesar de velho era bem forte também. Sua força quase se igualava à minha. Gwen estava desacordada. Eu só queria tirar ela dali com segurança e depois poderia me dedicar ao Duende. Num momento achei que eu tivesse derrubado ele, mas...
            Nesse momento é como se um filme em câmera lenta passasse diante dos meus olhos, o tempo parou pra mim nesse exato instante... O Duende foi mais rápido do que eu e simplesmente jogou a Gwen de cima da ponte, era uma queda bem grande. Eu não ia conseguir alcançá-la e, num gesto de desespero, lancei a minha teia e consegui segurá-la pelo pé, antes dela cair na água. Mas já era tarde demais.
            Não sei se Gwen já estava morta quando cheguei na ponte, não sei se foi pela queda em si, ou se foi o impacto da minha teia que a matou. Sei que era tarde demais. O Duende Verde matou a mulher que eu amava. E foi aí que eu percebi que não fui capaz de cumprir a promessa que eu fiz ao Capitão. Não fui capaz de proteger a sua filha, minha namorada. Ela estava ali, nos meus braços, morta. E não havia nada que o grande Homem-Aranha poderia fazer. O que aconteceu depois eu já contei: parti pra cima do Duende com toda a minha fúria, ele tentou me perfurar com o seu jato e acabou se matando. Mas foi uma vitória infeliz. Matar o Duende não iria trazer a Gwen de volta. Não trouxe.
            Passaram-se oito anos desde então. Mas todas as noites eu revivo esse fato. Toda noite eu revisito aquela maldita ponte, e esta noite não foi diferente. Tudo que eu quero é parar o medo, parar a dor, parar a morte. Por que eu nunca consigo? Mais uma vez estou eu na ponte do Brooklyn, lutando contra o Duende Verde original. Mais uma vez ele a joga ponte abaixo, eu tento aparar a queda com minha teia, mas já é tarde demais. Quando eu consigo resgatá-la, ela já está morta. O pior é que eu penso que fui eu que a matei, com o impacto da teia. Então eu acordo em minha cama com um grito na garganta. Eu já devia estar acostumado com esse sonho, mas eu não estou...
             - Peter? Amor? Você está bem?
            Graças a Deus nesse meio tempo me casei com Mary Jane, sem a força dela, seu amor e humor, acho que meu mundo iria se dissolver completamente no caos.
Conheci Mary Jane antes de começar a namorar Gwen. Foi numa noite em que Gwen me chamou pra estudar. Talvez fosse só isso mesmo. Uma noite de estudos. Mas do jeito como eu tava encarando a situação, cada segundo que desse pra passar ao lado de Gwen faria de mim o cara mais sortudo da cidade.
Quando eu comecei a contar essa história sabia que eu chegaria nessa parte. Mas não dá pra falar de Gwen Stacy sem falar de Mary Jane. Minha tia May e a vizinha dela, Anna Watson, vinham tramando há um tempão de me juntarem a qualquer custo com a sobrinha de Anna. Eu imaginava que a menina era um tribufu, que só poderia ser boa pra cozinhar ou pra ter alguma amiga bonita e interessante. Eu vivia fugindo desse encontro – afinal, quando se está paquerando a loira mais bonita da cidade, pra quê eu iria querer ficar com outra pessoa? Mas exatamente naquela noite não deu pra escapar. Eu já tinha me arrumado pra ver a Gwen quando tocou a campainha, e minha tia disse que era a sobrinha misteriosa de Anna quem tinha chegado.
            Na minha cabeça só passava uma coisa: quanto tempo ia demorar a visita? Eu tinha feito minha cabeça pra ser educado e ficar fazendo salinha pro "bacalhau" que com certeza ia estar na minha frente. Quem sabe, com um pouco de sorte, eu ainda ia ver a Gwen naquela noite e ela ia ser toda compreensiva pelo meu atraso. Quanto tempo ia demorar?
- Peter, esta é Mary Jane Watson - disse minha tia, com um sorriso no rosto.
            Fiquei estupefato. Mary Jane não era feia como eu tinha pensado. Muito pelo contrário. Era tão linda quanto Gwen. Cabelos ruivos, bem vermelhos mesmo. Olhos verdes, lábios carnudos. Confesso que fiquei dividido nesse momento. Dias atrás não pegava nem resfriado. Agora tinha uma ruiva parada na minha porta. E uma loira me esperando. Tecnicamente pra estudarmos.
            - Admita gatão! Você tirou a sorte grande! – Foi a primeira frase que MJ disse quando me viu. E foi aí que tive a certeza de que Gwen não seria nada compreensiva.
            Na noite do funeral de Gwen, Mary Jane ficou no meu apartamento, me consolando, e eu fui bastante grosso com ela. Naquela época era impossível eu ter qualquer relacionamento com MJ. Antes de a Gwen morrer, ela era toda periguete. Mas de alguma forma a morte da Gwen afetou a Mary Jane também. Acho que foi ali que ela percebeu que a vida não dura pra sempre. Que as pessoas que amamos partem. Foi depois da morte da Gwen que Mary Jane começou a amadurecer. Gwen se fora. Falecera de uma forma estúpida. Com isso, me vi obrigado a aprender a amar de novo. E foi Mary Jane quem me ensinou. Alguns anos depois começamos a namorar (lembra que eu mencionei o meu segundo grande amor?). Ela descobriu que eu era o Homem-Aranha e no começo não aceitou muito, mas depois acabou cedendo. Nos casamos.
Tantos anos já passados desde a morte da Gwen e ainda assim não consigo superar. O pouco tempo que passamos juntos pra mim foi a melhor época da minha vida, mas nada dura para sempre. Mary Jane sempre entendeu esse meu remorso por não ter conseguido salvar a vida da Gwen. Umas duas vezes ela me flagrou chorando escondido no sótão com uma foto da Gwen na mão. Pensei que ela fosse brigar comigo, mas não. Ela simplesmente me abraçou e disse: "Eu também sinto a falta dela". As duas ficaram muito amigas antes de a Gwen morrer. Tenho que confessar que essa amizade das duas me incomodava um pouco. Às vezes parecia que as duas ficavam disputando a minha atenção. Confesso que teve um momento em que eu fiquei dividido entre as duas. Mas foi o tempo quem tomou essa decisão por mim, matando uma delas. E como eu disse antes, a MJ daquela época era bem periguete, então era impossível eu ter qualquer relacionamento com ela se a Gwen não tivesse morrido.
Hoje é dia dos namorados, e mais uma vez tive aquele sonho de novo, a ponte, Gwen caindo, Gwen nos meus braços morta...
-Peter? Amor? Você está bem?
A pergunta de Mary Jane me fez voltar aos dias atuais.
-Sim, mor! Eu estou bem. Só tive um pesadelo. Desculpa ter acordado você. Volte a dormir... Eu vou ler um livro... Ou ver TV enquanto o sono não vem.
- Seu uniforme está limpo... Só volte pro café da manhã, tá?
MJ voltou a dormir. Ela sabia que só quando eu balanço em teias é que eu consigo relaxar. Esse sonho com a morte de Gwen já era rotineiro. Mas hoje era diferente. Hoje, exatamente hoje, era dia dos namorados. Nessa data tem um lugar que eu sempre visito. Ninguém sabe. Eu não dou muita bandeira. Sim, esse lugar é a ponte. A mesma ponte onde vi meu amor morrer. Vesti meu uniforme e saí. Furtei uma rosa vermelha na vizinhança e por alguma razão peguei uma velha foto de Gwen que eu sempre carrego comigo. Só queria ter um momento a sós, relembrando os momentos felizes que passei com ela...
Não que eu não ame a MJ, mas ela é uma mulher completamente diferente do que Gwen foi. Linda, independente, atrevida até. Gwen fazia o tipo mais delicadinha. As duas me conquistaram, cada uma à sua maneira. Com cada uma delas vivi uma história diferente. E Mary Jane também conheceu Gwen. Elas eram amigas. Na época em que eu namorei Gwen, MJ teve um rolinho com Harry Osborn, meu melhor amigo. Então por algumas vezes nos divertimos bastante, os quatro. Mas por causa das drogas, eles terminaram. E por causa da morte da Gwen, MJ e eu começamos a nos aproximar.E o fato de ela saber quem sou nos fez construir um relacionamento sem segredos. Por isso nos casamos.
O sol ainda não tinha nascido, e lá estava eu mais uma vez naquela ponte, revivendo os momentos mais dolorosos da minha vida. Nunca contei pra Mary Jane que eu passo aqui todo ano. Eu seria muito sacana se eu contasse isso pra ela. Embora eu sei que ela sabe que carrego comigo essa culpa pela morte da Gwen. Em todo caso, me entreguei aos meus pensamentos. Se houvesse alguma forma de voltar no tempo, eu juro que voltaria sem pestanejar, voltaria para aquele dia onde minha vida mudou, faria algo diferente para resgatar o meu primeiro grande amor, não importando as consequências. Infelizmente a vida não é como nos filmes. Não há nenhuma forma de voltar no tempo...

Nisso, um raio chamou a minha atenção. O que era estranho porque o céu estava limpo. Não havia nenhuma nuvem no céu. Mas o que era mais estranho era que o “raio” estava correndo na horizontal, sobre a água. Como isso seria possível, pensei. Até que acabei me desequilibrando da ponte e caí... tava muito longe para alcançar com a teia... O jeito era respirar fundo, e dar o maior mergulho da minha vida... Mas espera... É impressão minha ou esse raio tá vindo em minha direção? Boa, Parker! Se eu não morrer afogado, morro eletrocutado...