quarta-feira, 21 de março de 2018

Capítulo 2 - O Homem Mais Rápido do Mundo


Eu já estava me sentindo pronto pra morrer... Finalmente vou encontrar o Tio Ben, Harry Osborn, Capitão Stacy e Gwen, a minha Gwen no outro plano. Fechei os olhos esperando o impacto com a água ou um choque elétrico, mas não veio nenhum nem outro. Senti como se alguém estivesse me segurando. Abri meus olhos e por um milagre do destino (eu acho), estava na parte mais baixa da ponte. O céu estava limpo, não havia nenhum raio. Um milagre, eu pensei. Estou vivo. Levantei, coçando a cabeça pra pensar como sobrevivi, afinal de contas um segundo atrás eu estava caindo em direção à água, e no segundo seguinte estou bem, e seco, numa parte mais firme da ponte. Como isso era possível?
- Caramba! Você ia ter uma queda e tanto, hein? Fantasia legal, a propósito! – disse uma voz atrás de mim.
Pulei assustado. Havia alguém atrás de mim e meu sentido de aranha não me alertou. Por instinto, saltei em uma coluna da ponte e fiquei grudado ali, tentando vem de onde vinha a tal voz.
- Espera! Você está grudado na coluna da ponte? Como isso é possível?
Foi só então que vi lá no chão a figura de um homem estranho. Eu nunca havia visto ele por estas bandas e como ele parecia não me conhecer, sabia que ele não podia ser de Nova York. Algo me dizia que ele não era sequer deste universo. Aparentemente éramos da mesma altura. Ele usava um traje vermelho com um capuz (e botas amarelas) e havia um desenho de raio no peito dele. Será que o raio que eu havia visto há pouco tinha alguma coisa a ver com ele? Se tinha, de onde diabos ele veio? E o que será que ele queria comigo?
- Você não precisava me salvar.
- Bom você acabou de cair de uma altura considerável, então, se eu não tivesse lá, você já tinha virado comida de peixe. A propósito, quem é você? Como é que você grudou na parede? E que roupa é essa? Eu achei que EU era o impossível.
Desci da coluna, curioso. O fato de o meu sentido de aranha não disparar me fez acreditar que eu podia confiar naquele cara.
- Eu sou o Amigão da Vizinhança. O Escalador de Paredes. O Homem-Aranha!
- Você é quem?
- Desculpa, eu estou meio desorientado porque vi um raio e me desequilibrei. Quando dei por mim estava aqui. Foi você que me salvou? Como você fez isso?
- Bem, eu vi você caindo da ponte e... bem, por instinto, eu corri e te peguei. Onde estamos a propósito?
- Nova York. Ponte do Brooklyn.
- Caramba. Tão longe? Não esperava chegar até aqui, mas é que eu tô treinando a minha velocidade e acho que eu sou mais rápido do que eu pensava...
- Legal cara, você é ligeirinho e tudo mais. Mas... quem é você?
A máscara dele era muito diferente da minha. Ela não cobria a boca dele, então não tinha como ele esconder o sorriso quando fiz essa pergunta.
- Eu sou o Flash!
- Quem?
- O Fla... Peraí você não sabe quem eu sou?
- Eu deveria?
- Conhece o Arqueiro Verde? Canário Negro? Eléktron? Nuclear? Savitar?
- Desculpe. Não.
- Ai caramba! Isso é muito esquisito.
Ele tirou a máscara. Tinha cabelos e olhos castanhos. Seu rosto me lembrava bastante o de um ator teen de série musical. Embora algo nele me fazia acreditar que tínhamos a mesma idade.
- Meu nome é Barry Allen e eu sou o homem mais rápido do mundo. E eu acho que eu caí no universo errado então vou precisar da sua ajuda pra voltar pra casa.
Bom, se ele confiou em mim o bastante para tirar a máscara, acho que eu também podia confiar nele, então tirei a minha. E acho que ele também se surpreendeu bastante ao ver meu rosto.
- Sou Peter Parker, e como você bem viu eu escalo paredes. Mas não posso ficar dando sopa aqui sem máscara. Quer conversar em um local mais privado? Já que você está em Nova York que tal irmos até o Empire State?
Barry chegou ao topo do Empire State antes de mim, lógico. Era estranho conhecer um cara que corre tão rápido. Quer dizer, aqui em Nova York eu conheço um cara que é velocista, mas não é sequer parecido com ele. Me intrigou o fato de que quando cheguei ele já estava lá no topo.
- Caramba que vista. Nunca tinha ido à Nova York da minha terra.
- Como é que você subiu?
- Bom, correndo. Em supervelocidade dá pra “grudar” na parede. Sabe como é, força centrípeda.
- Sim. Entendo alguma coisa de física. Então, já que estamos aqui, pode me contar o que aconteceu e como você veio parar aqui?
Barry começou a me contar que veio de uma cidade chamada Central City, que por alguma razão aparente só existe na terra dele. Contou sobre alguns amigos cientistas em um laboratório e que juntos eles estavam fazendo experiências para que ele, Barry, ficasse mais rápido. Ele me disse que há alguns meses teve uma visão do futuro de sua noiva sendo assassinada e que faria qualquer coisa para impedir que esse assassinato ocorresse. Engoli em seco, pois parece que ia acontecer com ele exatamente o mesmo episódio doloroso de oito anos atrás. Mas no caso dele ainda havia uma chance de impedir, se é que realmente se tratava de uma visão do futuro. Só que ao que parece ele havia realmente corrido rápido demais, o suficiente para abrir um portal para um universo paralelo ou algo assim. Foi quando no segundo seguinte ele me viu caindo da ponte e o instinto de super-herói o obrigou a correr para “me salvar”.
A minha primeira pergunta foi como ele fez pra ficar tão ligeirinho.
- Então, um raio me atingiu no exato momento em que um acelerador de partículas explodiu. Fiquei em coma por nove meses até que um belo dia quando acordei percebi que tinha ganhado supervelocidade. Mas nunca fui tão rápido assim a ponto de cair em outro universo.
- Eu conheci um cara que foi atingido por um raio uma vez... mas ele só ficou gago.
- Tenho a impressão de já ter ouvido isso em algum lugar. Mas e você? Estou muito curioso com relação a esse seu comportamento similar ao de uma aranha. Explica melhor.
A curiosidade dele em relação aos meus poderes de aranha aflorava. Barry parecia muito intrigado com aquilo tudo. Resumi a história da picada da aranha irradiada para ele.
- Mas a picada da aranha te faz produzir teias também?
- Não. A teia foi uma invenção minha. É uma fórmula que guardo a sete chaves, mas que é capaz de suportar o meu peso me balançando pelos prédios e de quebra me ajuda a pegar bandidos como moscas. Ah, claro! Ela se dissolve em mais ou menos uma hora, então não tem como a fórmula cair em mãos erradas. Sem falar que os prédios da cidade estariam todos gosmentos. E para lança-las eu uso esses disparadores em meus pulsos, por baixo das luvas, apertando pequenos eletrodos nas palmas das mãos. Mas tem que ser na pressão certa pra não disparar a teia acidentalmente quando dou um soco em alguém ou quando pego algum objeto.
- Cara que demais! Deve ser muito bom morar em Nova York!
- Verdade, muito bom. Mas então você tem uma noiva? Como ela se chama?
Barry tirou a luva e me mostrou a sua aliança. Depois, não sei como, porque o uniforme aparentava não ter bolsos, tirou um pequeno retrato de uma garota negra, aparentemente de uns vinte e tantos anos que ele carregava consigo.
- Esta é a Iris. O amor da minha vida. Mas antes de contar sobre ela preciso explicar que quando eu era criança minha mãe foi assassinada por algo impossível e a polícia acabou prendendo meu pai, já que todas as evidências apontavam que ele era o culpado... Então um policial acabou me adotando... o nome dele é Joe. Ele era separado da esposa e a única companhia dele era a filha... Iris, a moça nesta foto. Fomos criados juntos desde então como se fôssemos irmãos, mas sempre olhei pra ela de outro jeito. Sempre quis algo mais com ela. Pra resumir eu só consegui me declarar pra ela depois que ganhei os poderes, e pra minha sorte ela também gostava de mim. Então engatilhamos um relacionamento no mínimo engraçado, porque meu sogro também é meu pai adotivo.
Fiquei imaginando a situação: o típico caso do cara que se apaixona pela melhor amiga, mas que não tem a menor coragem de se declarar por medo de “estragar a amizade” (não sei por que, mas já vi isso em algum lugar... talvez quando eu era adolescente eu tivesse passado por uma situação parecida, mas não me lembro). E no caso dele era bem pior porque ao que parecia, Barry e Iris foram criados como irmãos então é possível que ela tenha confidenciado tantas coisas pra ele (as paixões da adolescência, ou mesmos os namorados que ela supostamente deve ter tido antes de eles se acertarem) e ele tendo que disfarçar as constantes frustrações de ver a garota por quem ele era apaixonado nos braços de outros rapazes – eu ficaria muito frustrado se passasse por uma situação assim.
- Tenho certeza que você fará de tudo para impedir que matem ela. Você é bem rápido, tenho certeza que conseguirá!
- Eu teria essa certeza, se o assassino dela não fosse um velocista também. Mais rápido até mesmo do que eu. O nome dele é Savitar, e ele se auto-intitula “Deus da Velocidade”. Era por isso que eu estava treinando pra ficar mais rápido e por acidente acabei vindo parar aqui.
Mais uma vez a dor pela morte de Gwen me apertou o peito. Barry iria passar pela mesma dor quando o tal “Savitar” sequestrasse Iris e a assassinasse na frente dele. Ele não podia. Não seria justo. Como não foi justo o Duende Verde assassinar a Gwen naquela maldita ponte. Então me lembrei da fotografia de Gwen que estava em minhas mãos quando caí. Será que eu havia perdido aquela foto? Não que eu me importasse. Tinha guardado muitas recordações do nosso tempo de namoro na casa da Tia May (em respeito a Mary Jane só mantive na minha casa aquelas em que a MJ estava junto também, junto com nossos outros amigos: Harry, Flash). Levei as mãos por debaixo do uniforme (já que não tenho bolsos), mas não encontrei.
- Procurando isso? – Barry me entregou a foto de Gwen com mais um sorriso no rosto. Moça bonita. Salvei a foto antes de impedir a sua queda. Acredito que essa moça loira seja importante pra você. Quem é?
- Você não acreditaria se eu te contasse. Mas é verdade ela é... foi... muito importante pra mim. E conjugo o verbo no passado porque infelizmente ela já não está mais neste mundo. Minha história é um pouco parecida com a sua. Meus pais morreram quando eu era bebê. Nunca os conheci. Fui criado pelos meus tios. Então depois da picada da aranha meu tio foi cruelmente assassinado – um assassinato que eu poderia ter evitado e um dos motivos de eu ter me tornado combatente do crime. Aí eu conheci um policial – o Capitão Stacy – que foi a minha figura paterna depois da morte do Tio Ben. Bem, acontece que esse policial também tinha uma filha, que é a moça que você vê na foto.
- Essa Gwen era filha de um policial também? Igual a Iris? E você é órfão também? Vai me dizer que na escola era o “nerd CDF”?
 - Acredite em mim. Eu era! Tanto que me formei em Bioquímica, mas trabalho como fotógrafo em um jornal.
- Bom, no meu caso, eu estava tão obcecado em desvendar o assassinato da minha mãe que acabei me tornando cientista forense. Então nós dois temos uma boa base em ciências! Nossa! Que legal! Quanta coincidência! E nossos uniformes são vermelhos!
Dei um sorriso amarelo. O meu uniforme tinha detalhes em azul. Conversamos até o clarão da aurora despontar no horizonte. Cheguei à conclusão de que Gwen simbolizava pra mim o que Iris simboliza para Barry. Resumi a história para ele. Primeiro a morte do pai dela, depois o fato de o Duende Verde ter descoberto a minha identidade e sequestrado a minha amada, a luta na ponte, a maneira covarde como o Duende derrubou ela de lá, eu tentando apanhá-la com a teia e não tendo sucesso... o Duende morrendo empalado pelo jato horas depois... uma lágrima correu pelos meus olhos.
- Então toda essa dor que você sentiu na sua visão do futuro, ao ver a Iris morrendo; eu senti na vida real há oito anos. Tentei seguir com a minha vida e até me aproximei de outra garota, me casei com ela e tudo o mais, mas nunca consegui superar a morte de Gwen.
Barry me olhava, pensativo. Sem dúvida acho que se Iris morresse ele sentiria a mesma dor que eu senti oito anos atrás. E matar o assassino não bastaria, pois não traria a amada de volta. Tive a impressão que ele queria me dizer alguma coisa, mas naquele momento não fazia a menor ideia do que poderia ser.
O sol já raiava no horizonte. Mary Jane tinha me pedido para voltar pra casa a tempo do café da manhã. Mas eu tinha tantas perguntas a fazer àquele carinha de outra terra (como ele mesmo disse) – a começar sobre como e por que ele havia ido parar ali. Então pensei em ligar pra casa, se não fosse por um pequeno detalhe: meu uniforme não tem bolsos então não existe a menor chance de eu carregar um celular comigo. Barry deve ter percebido, pois senti uma rajada de vento e menos de um segundo depois ele aparece com um celular na mão.
- Há certas vantagens em ser rápido. Precisa telefonar para alguém?
- Sim, para minha esposa.
Liguei para MJ, explicando que não iria pra casa para tomar café. Depois, sugeri a Barry que descêssemos dali e vestíssemos roupas civis para que pudéssemos conversar mais a vontade. A questão é que eu não voltaria pra casa, mas como nosso porte é parecido, pedi que ele escolhesse algumas roupas pra mim também.
Num piscar de olhos, o uniforme vermelho e amarelo deu lugar a roupas normais. Um segundo depois, trajes masculinos apareceram em minhas mãos. Como não sou tão rápido, vesti por cima do uniforme mesmo, tomando o cuidado de tirar e esconder as luvas e a máscara. Devidamente trocados, Peter Parker e Barry Allen foram fazer um passeio no Central Park.
Ele queria saber sobre a minha ex-namorada morta. Enquanto eu fazia perguntas sobre o multiverso. Era no mínimo curioso pra mim, saber da existência de um multiverso onde existem infinitas terras, cada uma vibrando numa frequência única; e o que era mais legal, saber que cada probabilidade da história cria uma nova terra. Assim, existe uma terra onde os nazistas ganharam a guerra, uma terra onde os alienígenas convivem entre nós, a terra de Barry, a minha e infinitas outras. Segundo um dispositivo que um amigo dele tinha criado, a minha terra era a de número 616. Meu primeiro pensamento quando ele me deu essa explicação foi se haveria a possibilidade de existir uma terra onde exista uma Gwen Stacy viva e um Peter Parker casado com ela. Será que os dois estariam felizes? Será que teriam filhos? Dúvidas, muitas dúvidas. E o fato de ser dia dos namorados só me deixava ainda mais pensativo...
Sentamos-nos à beira de um carrinho de cachorro-quente. Eu estava azul de fome, pois não comera nada ainda. Pensei em balançar até a minha casa para comer alguma coisa, pois o Homem-Aranha não carrega dinheiro nem cartões no uniforme. E as roupas que Barry me arranjou não vieram com uma carteira incluída...
- Dez cachorros-quentes, por favor! – Ouvi Barry dizer, mas como seria possível? Será que ele também escondia a carteira por baixo do uniforme dele? Nem quis pensar em como ele arranjou dinheiro, estava com muita fome. Peguei um cachorro-quente, é uma das minhas refeições favoritas. Fiquei boquiaberto quando vi Barry comer os outros nove sozinho – o cara era bom de comida.
- Antes que você me pergunte, já vou logo explicando. Tudo em mim é muito acelerado, inclusive o meu metabolismo. Então, se eu uso meus poderes, você sabe... bancar o ligeirinho, logo começo a sentir fome, e não é pouca. Por isso essa refeição “caprichada”. Olhei para ele como quem não entendera nada – e de fato eu não entendi. Preferi deixar toda essa conversa pra lá. Um quiosque vendendo flores desviou a atenção dele.
- Peter, que dia é hoje mesmo? – me encarou com um olhar levemente apalermado.
- Dia dos namorados, se você quer saber.
- A Iris vai me matar.
- Ou não. Você é bem rápido, com certeza chega à sua casa já com um presente na mão.
Barry deu um sorriso. É verdade, ele mesmo se afirmava “o homem mais rápido do mundo” (embora houvesse me dito pouco antes que havia um vilão ainda mais veloz que ele, que estava na iminência de assassinar a mulher que ele amava – se é que aquela visão do futuro fosse mesmo se concretizar). Talvez, mas só assim talvez, ele conseguiria chegar ao universo dele a tempo do jantar, com um presente na mão para a sua Iris.
- Uma mulher geniosa a Iris. Também pudera, sendo filha de quem é. A mãe dela a abandonou quando era criança e ela foi criada pelo pai. O Joe foi pai e mãe pra ela. Quando a minha mãe foi assassinada e meu pai foi para a cadeia acusado de matá-la, vi no fato do Joe ter me adotado uma chance de ficar perto dela. E fomos criados como irmãos. Então, conheço muito bem aquela garota.
Achei estranho o fato de que Barry desviava de contar como a sua mãe fora assassinada. Contou-me que logo que ganhou os poderes conseguiu provar a inocência do pai biológico ao capturar o verdadeiro assassino. Mas que infelizmente o pai dele também havia falecido há mais ou menos um ano. Mas não era da minha conta. Algumas pessoas até hoje têm dificuldade em lidar com as perdas. E no fundo eu o entendo. Os pais dele morreram e um vilão que ele não era capaz de derrotar ameaçava a mulher que ele ama. Barry me dizia que, se ela morresse, ele jamais se perdoaria. Fechei os olhos e vi a imagem da Gwen caindo da ponte. Eu atirando a teia, tentando puxá-la pelo pé. O som do pescoço dela quebrando. A dor e a angústia que eu passei naquela noite eu não desejo pra ninguém. E Barry estava prestes a passar pela mesma dor.
- Peter, o que você estava fazendo naquela ponte quando sem querer eu te derrubei?
- Pensando. Vou lá todo ano, nessa mesma data. Na garota da foto. Gwendolyne. Ela foi minha namorada numa época em que a minha vida era mais simples. E não me conformo quando penso que infelizmente um dos meus maiores inimigos a assassinou bem na minha frente, e eu não fui rápido o bastante para salvá-la. Por isso que tenho uma ideia dessa dor que você sente quando vê a Iris morrendo. Eu já senti (ainda sinto) essa mesma dor.
- Nossa cara! Que barra! Me fala mais dela. Como vocês se conheceram?
- A primeira vez que a vi foi no meu primeiro dia na faculdade. Não digo que foi amor à primeira vista. Eu tinha acabado de sair de um relacionamento anterior. Tinha outras preocupações: contas pra pagar, minha tia doente, o fato do meu namoro anterior (um da época do Ensino Médio) ter terminado. Acabei não dando muita atenção pra ela no começo. Ela me achava o maior metido e eu estava com a cabeça em outro lugar. Acho que foi justamente isso que despertou o interesse dela por mim. Ela era a garota mais popular do colégio, filha do capitão de polícia mais respeitado de Nova York, os outros rapazes caiam matando em cima dela, mas não o Peter Parker aqui. E na faculdade eu sempre fui aplicado, tirava as melhores notas. Fazia jus à minha bolsa de estudos. Nunca na minha cabeça me passou o menor pensamento de que uma moça linda daquelas fosse me dar bola. E de fato volta e meia nos estranhávamos. Até que um dia tive a brilhante ideia de comprar uma motocicleta. Sabe como é, você deixa de ser um adolescente e se torna um adulto quando você tem seu veículo próprio. Eu não podia chegar na faculdade vestido de Homem-Aranha, sabe como é. Eu meio que comprei a moto por causa dela. Meio que pra impressioná-la sabe? E adivinha qual foi a primeira coisa que fiz quando peguei a motocicleta? Ofereci uma carona pra ela. E ela topou. Simplesmente a garota mais popular do meu curso topou uma carona na garupa da minha moto. Gwen Stacy. Realmente incrível. Ela apertava minha cintura e pedia pra eu andar mais rápido...
Uma lágrima correu pelo meu rosto. Barry entendeu e disse que não precisava continuar, mas continuei:
- Maldito seja o dia que o Duende Verde descobriu minha identidade secreta. Ele me atacou bem no coração. Maldito! Ele também morreu, mas isso nunca vai trazer a minha namorada de volta! Por que eu não dei cabo dele antes? Pelo simples fato de que ele era pai do meu amigo. Só por isso. Heróis não matam. Mas os vilões sim. E ela foi brutalmente arrancada de mim por aquele maníaco! Isso me deixa com muita raiva! Mas voltando à Gwen. Não foi aí ainda que nós começamos a namorar. Mas foi aí que começava o início de uma bela amizade. Foi por causa dela que me enturmei mais com os colegas da faculdade. Eu finalmente estava deixando aquela fase “Peter Parker é um nerd CDF” e entrando na fase “até que o Peter não é de se jogar fora”. Gwen queria me conquistar de algum jeito. E teria conseguido de imediato, se não fosse a chegada de uma outra garota na jogada.
- Outra garota?
- Bem, desde que eu estava no Ensino Médio, minha tia e a vizinha dela viviam armando esqueminhas pra me juntar com a sobrinha da vizinha. Na minha cabeça eu achava que essa sobrinha da vizinha era um canhão. Então vivia inventando desculpas pra não encontrar essa menina. Só que teve uma ocasião que não deu pra evitar. A Gwen tinha me chamado pra sair com a turma e quando eu estava me arrumando a campainha tocou, e pra minha surpresa era uma garota ruiva. Trabalhava como modelo. Estudava Artes Cênicas. Virou atriz. O nome dela era Mary Jane Watson.
- Mary Jane? Não é o nome da sua esposa?
- Essa mesmo. Não tem como falar de Gwen Stacy sem falar de Mary Jane. A história das duas sempre foi muito ligada. E o fato de eu tê-las conhecido na mesma época sempre me deixou dividido, eu confesso, entre com qual das duas eu ficaria. Seria uma pena se o destino desse uma mãozinha... Ah, sim! Ele deu.
Parei de falar, pois já não conseguia conter o choro. Passados alguns minutos respirei fundo e continuei:
- Mary Jane amadureceu muito depois da morte de Gwen. Elas se conheceram e na época ficaram muito amigas. Talvez por isso a morte da Gwen a tenha afetado tanto quanto a mim. Ela entendeu que nada é pra sempre. Que as pessoas boas morrem jovens. Comecei a ficar com a MJ mais ou menos uns dois anos depois da Gwen falecer. Ainda me lembro do nosso primeiro beijo. Eu tava no aeroporto, pois precisava viajar a trabalho e ela foi lá me ver. Quando chamaram o meu voo, ela simplesmente veio se despedir de mim e me beijou. E foi ali, indo viajar que comecei a reparar mais, a pensar mais nela. Até então não havia superado a morte da Gwen. Aliás, até hoje não superei. Mas MJ me entende e me ajuda como pode.
- Que legal da parte dela.
- Uma vez eu pensei que tivesse ficado louco. Um vilãozinho de quinta que graças a Deus já está morto aprontou uma comigo. No retorno da viagem (sim, essa mesma viagem onde na ida a MJ me beijou). Encontro ninguém menos do que Gwen Stacy viva e bem parada na porta do meu apartamento.
- Uma Gwen de outra Terra? Tive uma sensação assim ao ver uma versão alternativa do meu pai.
- Antes fosse amigo. Antes de te conhecer nem sabia da existência de outras terras. Essa Gwen era na verdade uma cópia genética idêntica a ela (inclusive possuía as mesmas memórias da Gwen original – tirando é claro a parte da morte). Um clone. Alguém havia clonado a mulher que eu amo só pra me deixar louco. Graças a Deus, tudo acabou. Precisei aceitar que a mulher que tanto amei não pertence mais a este mundo. E Barry, meu amigo, eu sinto muito a falta dela.
- Sim, imagino. Toda noite tenho pesadelos com a morte da Iris e isso ainda nem aconteceu. Talvez nem aconteça. Mas preciso impedir.
- Isso acontece todo dia comigo. Desde aquele episódio da carona para a Gwen na moto, não consegui mais tirá-la da cabeça... até hoje. A verdade é que ser o Homem-Aranha me atrapalhou demais. Se eu pudesse voltar no tempo e impedir a morte dela, juro que faria isso. E a minha vida nesses últimos oito anos teria sido muito diferente.
Barry fez menção de que ia me dizer alguma coisa, mas desistiu logo.
- Nunca vou esquecer o dia em que a Gwen e a Mary Jane se conheceram. Eu não apresentei a MJ pra turma da faculdade pra me exibir ou pra exibir ela. Foi mais uma obrigação. Porque ela era sobrinha da melhor amiga da minha tia. Mas lembro que a Gwen foi meio irônica comigo. Ela me disse algo do tipo “onde você estava guardando a menina”? e MJ depois no privado disse que Gwen era muito bonita “pra quem gosta de loira aguada”. Infelizmente fomos interrompidos por alguma notícia na televisão de que algum supervilão estava à solta (não me lembro se era o Rino ou o Lagarto). E MJ maluquinha que era simplesmente me incentivou a ir atrás. Ela ainda não sabia minha identidade, mas por causa do meu trabalho como fotógrafo e tal, ela simplesmente montou na garupa da minha moto e fomos.
Não falei para o Barry, mas pensei: Acho que eu poderia simplesmente alegar insanidade e ficar a mercê do júri. Tipo, a garota mais bonita da faculdade começa a reparar em mim, e do nada, estou eu lá no meio da turma com a gata do ano.
- Naquela época MJ procurava sempre ser o centro das atenções e eu não sabia se via isso como uma coisa legal. O que mais me marcou naquele dia foi que a MJ me deu um beijinho na testa e disse “tudo para agradar meu homem”. MJ me chamou de “homem dela”. Você sabe que quando uma garota diz uma coisa dessas, qualquer sujeito capta a mensagem de maneira especial. Ainda mais tratando-se de uma gata como MJ. Como eu te disse, não dá pra falar de uma sem mencionar também a outra. O problema é que meu amigo Harry também se interessou por ela. Então, teoricamente estava tudo meio que resolvido. Eu ficaria com a Gwen e o Harry com a MJ. Ele até me convidou pra dividir um apartamento com ele. Era bom e não era.
- Nossa Peter! isso é meio que uma história de novela, você não acha?
- E é.
- Infelizmente a minha responsabilidade como Homem-Aranha sempre atrapalhou a minha vida particular, essa é que é a grande verdade. Não entendo até hoje como uma garota como Gwen foi se interessar por mim. E eu achava que tinha outras responsabilidades. Trabalhar pra pagar as contas de casa, afinal eu fui criado por uma tia que mais parecia minha avó. Frágil. Sempre morri de medo de mata-la de susto se ela soubesse quem eu era de verdade. Pagar a minha moto. Naquela época eu achava que ser o Homem-Aranha era mais legal do que curtir as festas com os amigos. E Gwen estava lá, esperando por mim. E sentia que ela queria alguma coisa comigo, e eu estava começando a me sentir muito atraído por ela.
- Tipo eu com a Iris.
- De certa forma. Sabe, já que eu toquei no assunto da minha tia, quando eu penso nela é difícil pensar em alguém tão frágil e ao mesmo tempo tão forte. Se quiser, podemos ir conhecê-la mais tarde. Mas quando eu penso na Gwen, eu me lembro de alguém que não parecia frágil, e, no entanto... Eu jamais, em momento algum, pensei que enterraria Gwen antes da minha tia. É tão estranho... Pessoas boas morrem jovens. Não é assim que as coisas deveriam acontecer na vida.
Barry estava com os olhos vermelhos.
- Desculpe – ele me disse – é que todo esse papo de entes queridos que já partiram fez eu me lembrar dos meus pais.
- Se serve de consolo minha vida nunca foi como deveria ter sido. Piorar antes de melhorar. Perder a Gwen foi piorar além da conta. Foi a coisa mais terrível que já aconteceu comigo. É triste. Parece que a morte vem para as pessoas erradas.
- Sabe, minha mãe foi morta por algo, alguém na verdade, que na época eu achava impossível. Até eu levar esse raio que me tornou impossível. Meu pai também foi assassinado na minha frente por outro inimigo meu. E agora fico pensando se o Savitar matar a Iris, acho que minha vida, minha carreira está acabada.
- Foi o que senti quando Gwen foi morta. Mas naquela época tudo estava finalmente se ajeitando. Como eu te disse meu amigo Harry me convidara para dividir um apartamento com ele... O Harry agitava as coisas. Então, pra minha tia não ficar sozinha ela foi morar com a vizinha, que por sinal é tia da minha atual esposa. Minha Tia May morar com a Sra. Watson tinha algumas vantagens óbvias, quer dizer... Vantagens se alguém estivesse a fim de ver mais vezes Mary Jane, o que na época não era uma coisa que eu tinha muita certeza, entendeu?
- Tenho uma vaga ideia. Antes de me declarar pra Iris tive outra namorada. Mas vivia dividido entre esse relacionamento e a minha “irmã”, “melhor amiga” ou como você queira chamar. A Iris me deixou na Friendzone até... Bem... Até ela descobrir que eu era o Flash!
- Então, como eu dizia, o Harry agitava as coisas, talvez MJ fosse mais do pique dele mesmo. Tudo estava andando rápido demais. A ideia de deixar a Tia May, o Harry saindo com a MJ. Mesmo assim finalmente eu seria dono do meu próprio cantinho. Então eu teria mais tempo de conhecer melhor aquela garota loira. O Harry disse que ela estava dando em cima de mim, mas eu, muito tapado, não tinha percebido nenhuma das deixas. Hoje eu paro e penso: como posso recuperar o tempo pedido? E foi por meio do Harry que Gwen e MJ ficaram amigas, apesar de as duas viverem disputando a minha atenção. O dia em que finalmente eu ia ter o meu próprio espaço finalmente tinha chegado. O Harry deu uma festa pra comemorar e chamou quem? Uma gata loira e uma gata ruiva pra participar. Eu tava ocupado demais brincando de Homem-Aranha, mas passei pela janela do apartamento e vi a Gwen e a Mary Jane dançando juntas. A visão das duas gatas dançando pela janela me deixaram completamente zureta. Claro que era inverno e estava rolando uma tempestade de neve nesse dia. Isso deve ter contribuído também. Mentira. O fato é que enquanto Gwen e MJ estavam me esperando, curtindo uma festa que era pra mim, eu tava levando a maior surra de um vilão (O Abutre, se não me engano).
- Suas noites são bem agitadas, não?
- Sabe, meu maior desejo era que aquele dia fosse quente e ensolarado. E eu queria estar aqui no Central Park, dividindo um cachorro-quente e conversando, mas não como nós estamos fazendo. E sim, dando de comer pros patos e de mãos dadas com a Gwen. Em vez disso, lá estava eu brincando de super-herói apanhando de algum supervilão. A verdade é que nessa noite eu fui vencido, e fiquei ali nos telhados, caído... no frio, prestes a perder os sentidos. Eu não sabia se ia sobreviver, mas o meu único pensamento era como eu tinha decepcionado a turma. O que Gwen ia dizer por eu não ter aparecido. O que ela ia pensar de mim...
Já passava das oito da manhã quando, servidos de mais uma rodada de cachorros quentes (dos quais noventa por cento foram literalmente devorados por Barry, deve ser difícil ser alguém com metabolismo acelerado), decidimos que era hora de sair dali. Barry queria que eu mostrasse Nova York para ele, então decidi que seria seu guia turístico até que Barry encontrasse uma forma de voltar para o seu mundo. Decidi que a nossa primeira parada seria na casa da minha tia May, a velhinha que eu pensava que era tão frágil e que no final me mostrou que nós, os Parker, somos muito mais durões do que os outros pensam. Ela ainda mora na mesma casinha humilde lá em Forest Hills, no Queens. Fazia dias que não a visitava e precisava de uns conselhos dela, afinal, ela sempre foi a minha figura materna.
- Deve ser legal ter alguém que você possa chamar de mãe – Barry me disse enquanto pegávamos o metrô (ainda queria saber onde foi que ele arranjou dinheiro) – a minha mãe morreu quando eu tinha nove anos, de uma forma inexplicável. Mas tenho muitas lembranças boas dela...
- Nunca conheci meus pais. Eles morreram quando eu era bebê. Fui criado pelos meus tios e eles foram minhas figuras paternas. Mas fala, o que aconteceu de verdade?
- Bem, quando eu digo que minha mãe foi morta por algo impossível, é porque é inexplicável mesmo. O cara que a matou também é um velocista, tem os mesmos poderes que eu com a diferença que ele é de um futuro distante (fiz uma cara de espanto). Ele viajou até o passado na tentativa de me destruir, impedir que eu virasse o Flash, então escolheu uma época em que eu era criança para viajar no tempo e me matar. Acontece que o meu eu do futuro veio atrás dele e conseguiu impedir que ele me assassinasse. Em vez disso ele acabou matando a minha mãe. E sem querer, foi indiretamente responsável por eu ganhar esses poderes quando me tornasse adulto, entendeu?
- Um paradoxo do tempo. Tipo no filme O Exterminador do Futuro. Que o pai biológico do John Connor na verdade é o melhor amigo dele que viajou até a época antes de ele nascer para salvar a mãe dele. Acho que entendi.
- Você e meu amigo Cisco iam se dar muito bem. Ele manja dessas referências todas de filmes e séries. Então, foi o que aconteceu.
- Velocistas conseguem viajar no tempo? – Perguntei, interessado.
- Conseguem, mas mexer com o tempo é muito delicado. Um erro pode ser fatal. Teve uma vez que eu voltei no tempo e impedi o assassinato da minha mãe e...
- VOCÊ FEZ O QUÊ? – não consegui conter o espanto. Era tudo que eu queria ouvir.
Barry ficou vermelho, como se tivesse acabado de dizer algo que não devia ter dito. Aquela seria minha chance. Se eu o convencesse poderia voltar oito anos atrás e impedir a morte da minha amada. Poderia ver o rosto dela mais uma vez. Não ligo para a teoria do caos ou efeito borboleta ou sei lá como chamam hoje. Se Barry Allen era capaz de voltar ao passado, ele teria que me ajudar. É o preço por ajuda-lo a voltar pra casa...

terça-feira, 22 de agosto de 2017

Capítulo 1 - Minha Saudade Eterna

              Nova York. É aqui que se passa esta história. Como num grande ciclo tudo começa e termina nesta cidade. Ou melhor, num ponto específico desta cidade. Numa ponte. Ponte George Washington, ou como eu vou me referir de agora em diante, simplesmente a Ponte do Brooklyn. Foi nesta ponte que minha vida mudou para sempre. Diria mais até. Foi nesta ponte que uma parte de mim morreu. Aconteceu há oito anos. Mas ainda está tão presente em mim que parece que se repete todas as noites. Ou quase todas.
            Existe uma razão para eu ser um fotógrafo. É porque não sei escrever muito bem. Mas vou tentar relatar tudo o que aconteceu para que vocês possam ao menos tentar entender os fatos. Hoje, eu acredito que as coisas sempre ficam muito, muito ruins antes de começarem a melhorar. Não necessariamente melhorar muito, embora eu não fosse me queixar se isso acontecesse. Quando vejo o rumo que minha vida tomou até agora, percebo que esse é o único jeito de encarar tudo que aconteceu. O bem segue o mal. Uma coisa incrível.
Garanto a vocês que como toda história que se preze, é tudo por causa de uma garota. Sim, uma garota. Meu primeiro grande amor que foi brutalmente arrancada de mim. Sei que ela nunca vai ler essas palavras, mas quem sabe um dia alguém pode querer saber sobre ela. Sobre nós. Ela foi tão importante pra mim que eu pretendia passar o resto da minha vida com ela. Nunca imaginei que o destino levaria só ela a passar o resto vida comigo. Bom, não tem nada que eu possa fazer a respeito e preciso aceitar isso.
Sabe, quando perdemos alguém que amamos, todo mundo diz: "A vida não para. Tem que tocar a bola pra frente. Não é isso que ela ia querer". Isso me faz rir. Como se algum dia eu pudesse me esquecer dela. O jeito de o seu cabelo cair sobre o rosto. O modo como ela tomava refrigerante...
            Meu nome é Peter Parker. Trabalho como fotógrafo no maior jornal aqui da cidade, o Clarim Diário. Mas nas horas vagas dou uma de "vigilante mascarado". Suponho que você já tenha me visto balançando por aí num colante azul e vermelho.  Suponho também que você já conheça a minha história, mas vou resumi-la pra você: quando eu tinha quinze anos, uma aranha irradiada me picou e fez com que eu adquirisse superforça, capacidade de subir em paredes, entre outras coisas. Depois disso, inventei esse uniforme colorido e um fluido de teia que me permitia balançar entre os prédios. No começo, pensei em utilizar estes poderes para ganhar uma grana, ajudar meus tios com as contas e tal. Até que meu tio Ben foi assassinado por um ladrão - que por coincidência tinha sido o mesmo ladrão que eu deixara escapar horas antes em uma de minhas aparições na TV.
            Me senti culpado pela morte do Tio Ben e depois daquele dia jurei que faria de tudo para proteger meus entes queridos - nunca conheci meus pais, eles morreram quando eu era bebê. Então meus tios que me criaram é que foram as minhas figuras paternas. Quando o Tio Ben morreu, era como se eu tivesse perdido meu pai outra vez. Mas essa história não é para falar do meu tio. Mas de outra pessoa querida que também não fui capaz de proteger. Já se passaram oito anos, mas a imagem dela nunca esteve tão viva na minha mente.
            O motivo de se manter uma identidade secreta é porque existem vilões que podem, e vão tentar te atingir através das pessoas que você ama, certo? Bom, acontece que um desses vilões, talvez o mais aterrador de todos, descobriu quem eu realmente era. O nome dele era Norman Osborn, e ele era pai do meu melhor amigo, Harry. Mas eu prefiro me referir a ele pelo seu outro nome: Duende Verde. Saber que ele era pai do meu amigo já me colocava num beco sem saída, mas ficou pior ainda depois que ele me desmascarou. A partir daí, o velho Norman ficou obcecado em me destruir, não fisicamente, mas atingir o meu coração. E conseguiu.
            Há oito anos, o Duende Verde capturou a garota que eu amava e usou-a como isca para uma armadilha para me pegar. E foi então que duelamos naquela maldita ponte. E apesar de eu fazer todo o possível, ela morreu. Tão jovem. Com uma vida inteira pra viver. Mas teve sua vida ceifada por aquele psicopata. Na mesma noite tivemos um combate de vida ou morte e o velho Duende também morreu. Empalado pelo próprio jato. Mas a morte de Norman de nada serviu. Matar o Duende não ia trazer a minha namorada de volta. Ela já estava morta. E uma parte de mim morreu junto com ela.
            Gwendolyne Stacy. Este é o nome daquela garota. Gwen. A mulher que eu amava. Cabelos loiros até o meio das costas. Olhos grandes e azuis. A primeira vez que vi aqueles olhos, minhas pernas viraram geleia. Nos conhecemos no meu primeiro ano na Universidade Empire State. Fomos colegas no curso de bioquímica. E foi ali que aquela loira chamou a minha atenção pela primeira vez. Mas naquela época eu ainda era o "Peter Parker nerd CDF" que não tinha nenhum jeito com as garotas. Sem falar que tinha acabado de sair de outro relacionamento, então quando entrei na faculdade não estava interessado em namorar ninguém - até ver aqueles olhos pela primeira vez.
            Gwen era filha de um dos policiais mais respeitados de Nova York, o Capitão George Stacy, a quem eu já conhecia desde meus primeiros anos como Homem-Aranha. Mas até aquele ano na faculdade, não sabia que ele tinha uma filha. Meu tio Ben costumava dizer que "a juventude é desperdiçada com as pessoas erradas". Aquela garota era linda demais pro Parker nerdão aqui, ela iria querer sair com caras ricos como o Harry ou atletas populares como Flash Thompson - que por coincidência também estavam estudando comigo na mesma turma.
            Parece que foi ontem que tomei coragem de puxar conversa com ela pela primeira vez. Eu tava juntando uma grana pra comprar uma motocicleta - não dá pra ser o Amigão da Vizinhança vinte e quatro horas por dia, eu precisava de outro meio de transporte pra trabalhar e estudar. O cara da loja me dizia que "moto é que nem mulher, não adianta ficar só olhando, paquerando. Você só vai saber se ela é boa mesmo quando levar ela pra dar umas voltas." Eu enfrentaria o Duende Verde, o Dr. Octopus e o Homem-Areia, mas tomar aquela decisão... gastar tanto dinheiro... hesitei. De repente, talvez por acaso, ou quem sabe Deus tenha senso de humor e a gente faça parte da piada dele, a galera da faculdade passou bem em frente à loja. E Gwen estava lá gargalhando. Não de mim. Eu nem sei qual era o assunto tão engraçado, mas só de vê-la tão feliz tomei a minha decisão. Comprei a motocicleta. Talvez popularidade não seja uma coisa de duas rodas que se compra numa loja, mas naquele momento, bem que parecia.
            Saí da loja e fui direto para onde estava a turma. Confesso que foi pra me exibir mesmo. A moto nem era zero quilômetro. Encostei onde estava a turma e perguntei: "Alguém quer carona?" Gwen olhou pra mim com aqueles olhões e me perguntou se ela andava bem. Minha voz quase não saiu direito, mas respondi que sim. Ela montou na minha garupa, agarrou a minha cintura e disse: "Eu gosto bem rápido." Gwen Stacy. Realmente incrível. Eu só estava com a garota mais linda do meu curso, quiçá da cidade abraçada em mim. Naquele momento, eu não podia imaginar que minha vida ficasse melhor. Pelo visto, eu ainda tinha muito que aprender sobre como esse papo de bom e mau funciona.
            Não foi dessa vez ainda que começamos a namorar. Mas foi a partir desse ponto que comecei a me enturmar mais com a galera da faculdade. E foi assim que fui me aproximando cada vez mais dela. E ela ficava me olhando daquele jeito que me deixava com as pernas bambas. Imaginem só, o grande Homem-Aranha tendo dificuldade em controlar as pernas por causa de uma garota. Foi nesse momento que começou a minha transição de "Peter Parker é um nerd CDF" pra "até que o Peter não é de se jogar fora". Em outros tempos eu jamais pegaria uma loiraça daquelas. E eu me lembro de ter sido bobo o bastante pra pensar: "vamos nos apaixonar". Parecia ridículo. Impossível. Gwen Stacy se interessar por mim? Na minha cabeça aquilo era surreal demais.
            Vou abrir um parêntese aqui. Embora eu sempre vá dizer que Gwen Stacy foi o meu primeiro grande amor (do segundo contarei em páginas futuras), ela não foi a minha primeira namorada. Há pouco disse que quando entrei na faculdade tinha acabado de sair de um relacionamento e não estava com cabeça pra garotas. Pelo menos não até ver Gwen pela primeira vez. Quando eu era adolescente eu era bem desajeitado, principalmente quando o assunto eram garotas. Talvez tenha sido por isso que meu namoro com Betty Brant não tenha dado certo. Tudo bem. Já superamos isso. Prosseguimos com nossas vidas cada um para um canto. Hoje somos apenas bons amigos e colegas de trabalho, já que ela trabalha até hoje como secretária do meu chefe no jornal. Fecha o parêntese.
            Como se minha vida já não estivesse complicada o suficiente, eu sabia que pra pensar em me arriscar a chamar a Gwen pra sair, eu precisaria ter condições de... bom... pelo menos pagar um cinema ou lanchonete. O problema é que eu também tinha que pagar a faculdade, a moto, ajudar nas contas da casa... e meu emprego não pagava lá essas coisas. Resumindo: Peter Parker, fotógrafo pobretão e azarado. Percebe como minha vida era uma verdadeira tragicomédia? Eu queria sair com uma deusa como Gwen Stacy, mas não tinha grana. Dava pra conseguir o dinheiro, mas pra isso eu iria ter que tirar fotos de algum supervilão arrebentando comigo. Bom, na minha cabeça, valia a pena.
             Talvez fosse o fato de ela ser filha do um dos mais respeitados policiais de Nova York, não sei. Mas algo na minha cabeça dizia que eu precisava ficar com aquela menina. Como eu já disse antes, eu conhecia o pai dela: o Capitão Stacy. E o velho sabia que eu era o Homem-Aranha. Mas ele amava a filha o bastante para deixa-la se envolver comigo. Peter Parker, o Amigão da Vizinhança. Nunca fiquei sabendo como foi que ele descobriu minha identidade secreta – embora eu tenha que confessar que esse é o segredo mais mal guardado do mundo. Mas acredito que tenha sido por causa de uma vez em que ele me resgatou na rua todo machucado - depois de uma luta contra o Dr. Octopus - e me levou para a casa dele. Nessa época eu já estava namorando a Gwen. Foi aí que, mesmo ele sabendo da minha vida dupla (embora eu ainda não soubesse que ele sabia), o velho percebeu o quanto a filha dele era apaixonada por mim e permitiu o namoro. Nessa ocasião, Gwen bancou a enfermeira, tomou conta de mim e cuidou dos meus ferimentos. Tá, não foi a primeira vez que Gwen Stacy bancou a enfermeira e cuidou de mim – em outra ocasião eu tava super gripado e ela veio ler histórias pra mim (minha tia May disse pra ela que quando eu era criança meu tio Ben vinha ler histórias quando eu ficava doente, e ela resolveu fazer o mesmo).
Mas voltando à lembrança, na época que o Capitão me acolheu na casa dele, eu menti pra ela que tinha sido assaltado e o pai dela me ajudou. Ainda tenho cicatrizes daquela ocasião – teria sido muito melhor se eu já tivesse contado: “Bem Gwen, seu namorado é o Homem-Aranha”, mas como eu poderia fazer isso? Acho que ela nunca mais olharia nos meus olhos de novo e com certeza se recusaria a ficar com um herói cujas aventuras poderiam leva-lo à morte. Quanto ao Capitão, depois do Tio Ben, ele foi a minha figura paterna. Até aquele maldito dia em que eu estava lutando contra o Octopus novamente. No calor da batalha uma avalanche de tijolos ia cair em cima de um garotinho - e eu não percebi. O Capitão se atirou debaixo dos tijolos pra proteger o garoto. Se sacrificou para proteger um inocente. Ainda consegui tirar ele com vida de debaixo dos tijolos. Mas era tarde demais. O Capitão me chamou de Peter - e foi só aí que eu descobri que ele sabia da minha vida dupla - e me fez jurar que eu protegeria a sua filha. Eu jurei, mas olhando com os olhos de hoje só me culpo por ter sido incapaz de protegê-la. Não cumpri o juramento que eu fiz ao capitão.
            A morte do pai de Gwen foi o que começou a crise no nosso namoro. Ela culpava o Homem-Aranha, dizia que ele é que era o assassino do seu pai. Naquela época a imprensa não gostava muito de mim, e o Jameson, meu chefe, fazia questão de estampar na capa do jornal diariamente que eu era uma ameaça. Então, a imprensa me culpou pela morte do Capitão, e consequentemente a Gwen me culpava pela morte do pai dela, sem saber que era eu. E eu, lógico, não tinha forças pra dizer que eu é quem era o Homem-Aranha, e que não tive culpa pela morte do Capitão. Gwen se afastou de mim, aliás, de todos do nosso círculo de amizades. Pensei que fosse por causa do luto, mas isso não melhorou com o tempo. Eu tentava me defender, ou melhor, defender o Homem-Aranha, e ela me acusava de defender um assassino. Pior, o assassino do meu futuro sogro. Até que para esfriar a cabeça, Gwen decidiu ir passar um tempo com uns tios na Inglaterra. Até tentei argumentar, poderia ter revelado minha identidade ali, naquele momento, mas não tive forças... E Gwen Stacy passou meses na Europa, enquanto eu tentava juntar os cacos da minha vida.
            Ser o Homem-Aranha tomou muito tempo da minha vida. Um tempo precioso que eu só percebi depois da morte da Gwen. Não curtia as festas com meus amigos, não tinha tempo para a minha namorada, confesso a você, caro leitor, que se eu pudesse, voltaria no tempo só para desfazer algumas merdas que fiz por causa do Homem-Aranha, ainda que isso custasse a minha própria vida. Mas principalmente, meu maior sonho é poder ver aqueles cabelos loiros, aquele rosto adorável mais uma vez. Confesso que não faço a menor ideia do que aconteceu com a Gwen nesse período em que ela ficou na Europa. Conversávamos por carta ou telefone. Eu sempre percebia ela um pouco distante, mas não posso falar com todas as letras que tenha acontecido alguma coisa com ela lá. E de coração, nem quero saber. O que os olhos não veem o coração não sente. Ela já está morta e não pode mais se defender.
            Minha vida, que já estava muito ruim, começou a virar de cabeça pra baixo nesse período. Meu amigo Harry se envolveu com drogas e o pai dele (sim, o Duende Verde, que sabia minha identidade), não fez nada para que ele melhorasse. Norman não queria que o bom nome dos Osborn fosse manchado ao levar o Harry para um hospital. Mantinha o rapaz lá, com um médico particular. E como Norman e eu éramos inimigos mortais, eu não podia visitar o Harry, e o coitado pensou que eu é que o tinha abandonado. Harry era um cara legal, mas enlouqueceu quando o pai se matou (sim, foi ele que tentou me matar e morreu empalado pelo próprio jato), sucumbiu ao legado do pai e se tornou o segundo Duende – que ironia, meu maior amigo se tornava meu pior inimigo. Mesmo assim o que ele fez nunca chegou nem perto do que o pai dele fez. E outra coisa, de vez em quando ele procurava tratamento e se esquecia de que era um vilão. Então tivemos momentos bons, ele constituiu família, se casou e teve um filho – que por ironia do destino tem o nome do Duende original – Norman. Infelizmente, as drogas e a fórmula de Duende (que ele tentou reproduzir a partir dos diários do pai) também o mataram. E isso me emputece. Por que quem se aproxima de mim tem que morrer?
            Pois bem, foi nessa ocasião, com o Harry de cama após uma overdose de LSD, que a Gwen voltou da Europa. Eu também tinha acabado de chegar, após uma viagem ao Canadá - o Clarim me mandou pra lá para tirar fotos do Hulk, acreditem – e estava louco pra ver como o Harry estava – mas principalmente para rever meu grande amor de novo. Pedir desculpas pelas brigas, e talvez até revelar que eu era o Homem-Aranha. Sei que Gwen e Harry tiveram um relacionamento no passado, antes de eu conhecê-la, então deduzi que ela iria para lá primeiro. Minha esperança é de que ela explicasse que eu não o abandonei, mas era o pai dele que não me deixava entrar. Acredito que ela tenha conseguido, mas os fatos futuros fizeram ele me odiar por um longo tempo.
            De qualquer forma eu estava louco para rever a Gwen. Fui atrás dela. Nos reencontramos e nos amamos loucamente. Mesmo assim não tive coragem de contar que eu era o Aranha. Em compensação conversamos bastante naquela noite, depois de tantos meses longe um do outro:
            - Eu te amo Gwen, e sem ofensa, mas você tá errada!
            - Sobre o quê?
            - Antes de você viajar para a Inglaterra você disse algo sobre estarmos em direções opostas. Não estamos! Você é minha direção. E você sempre vai ser minha direção. Eu sei de um milhão de motivos pra não ficarmos juntos. Eu sei. Mas eu tô cansado deles. Eu tô cansado de cada um deles. Todos têm que fazer uma escolha, não é? E eu escolhi você. Então, essa é a minha ideia.
            - Qual?
            - Eu vou seguir você agora. Vou seguir você pra todos os lugares. Eu vou seguir você pelo resto da minha vida...
            Não terminei a frase. Gwen me beijou de uma forma apaixonada. Só comparo esse momento ao do nosso primeiro beijo. E como eu queria que o tempo parasse ali, naquele ponto. Gwen não morreria e uma parte de mim não morreria junto.
            Aquela foi a última noite que passamos juntos. No dia seguinte, aconteceu tudo o que aconteceu...
            Tenho evitado falar sobre esse momento, mesmo já tendo passado tanto tempo, ainda me machuca, mas eu preciso enfrentá-lo. Preciso contar a vocês o que aconteceu realmente naquela ponte, pois foi aquele momento crucial que mudou a minha vida pra sempre. A mulher da minha vida foi brutalmente assassinada, e nada do que eu fizer vai mudar isso...
            Gwen estava no meu apartamento, e eu tinha saído por um instante. Na certa o Duende tinha ido pra lá pra me pegar, e encontrou a Gwen – então pra me atingir, sequestrou ela. Acredito que era pra usá-la como isca para uma armadilha. Quando cheguei em casa encontrei uma bomba-abóbora, e uma bolsa – a bolsa que eu tinha dado pra ela de presente de natal. Nesse momento saí desesperado e torcendo pra que o Duende não tivesse machucado a mulher que eu amo. Que ironia do destino: depois de uma noite a sós com minha garota depois de tanto tempo longe, ela fora sequestrada por um maluco de ceroulas verdes. Me balancei que nem louco atrás deles, até que os encontrei naquela maldita ponte...
            Fiquei cego de ódio, quer dizer, me ameaçar tudo bem, agora ameaçar a vida da mulher que eu amo... parti pra cima dele com todas as minhas forças, mas o Norman, apesar de velho era bem forte também. Sua força quase se igualava à minha. Gwen estava desacordada. Eu só queria tirar ela dali com segurança e depois poderia me dedicar ao Duende. Num momento achei que eu tivesse derrubado ele, mas...
            Nesse momento é como se um filme em câmera lenta passasse diante dos meus olhos, o tempo parou pra mim nesse exato instante... O Duende foi mais rápido do que eu e simplesmente jogou a Gwen de cima da ponte, era uma queda bem grande. Eu não ia conseguir alcançá-la e, num gesto de desespero, lancei a minha teia e consegui segurá-la pelo pé, antes dela cair na água. Mas já era tarde demais.
            Não sei se Gwen já estava morta quando cheguei na ponte, não sei se foi pela queda em si, ou se foi o impacto da minha teia que a matou. Sei que era tarde demais. O Duende Verde matou a mulher que eu amava. E foi aí que eu percebi que não fui capaz de cumprir a promessa que eu fiz ao Capitão. Não fui capaz de proteger a sua filha, minha namorada. Ela estava ali, nos meus braços, morta. E não havia nada que o grande Homem-Aranha poderia fazer. O que aconteceu depois eu já contei: parti pra cima do Duende com toda a minha fúria, ele tentou me perfurar com o seu jato e acabou se matando. Mas foi uma vitória infeliz. Matar o Duende não iria trazer a Gwen de volta. Não trouxe.
            Passaram-se oito anos desde então. Mas todas as noites eu revivo esse fato. Toda noite eu revisito aquela maldita ponte, e esta noite não foi diferente. Tudo que eu quero é parar o medo, parar a dor, parar a morte. Por que eu nunca consigo? Mais uma vez estou eu na ponte do Brooklyn, lutando contra o Duende Verde original. Mais uma vez ele a joga ponte abaixo, eu tento aparar a queda com minha teia, mas já é tarde demais. Quando eu consigo resgatá-la, ela já está morta. O pior é que eu penso que fui eu que a matei, com o impacto da teia. Então eu acordo em minha cama com um grito na garganta. Eu já devia estar acostumado com esse sonho, mas eu não estou...
             - Peter? Amor? Você está bem?
            Graças a Deus nesse meio tempo me casei com Mary Jane, sem a força dela, seu amor e humor, acho que meu mundo iria se dissolver completamente no caos.
Conheci Mary Jane antes de começar a namorar Gwen. Foi numa noite em que Gwen me chamou pra estudar. Talvez fosse só isso mesmo. Uma noite de estudos. Mas do jeito como eu tava encarando a situação, cada segundo que desse pra passar ao lado de Gwen faria de mim o cara mais sortudo da cidade.
Quando eu comecei a contar essa história sabia que eu chegaria nessa parte. Mas não dá pra falar de Gwen Stacy sem falar de Mary Jane. Minha tia May e a vizinha dela, Anna Watson, vinham tramando há um tempão de me juntarem a qualquer custo com a sobrinha de Anna. Eu imaginava que a menina era um tribufu, que só poderia ser boa pra cozinhar ou pra ter alguma amiga bonita e interessante. Eu vivia fugindo desse encontro – afinal, quando se está paquerando a loira mais bonita da cidade, pra quê eu iria querer ficar com outra pessoa? Mas exatamente naquela noite não deu pra escapar. Eu já tinha me arrumado pra ver a Gwen quando tocou a campainha, e minha tia disse que era a sobrinha misteriosa de Anna quem tinha chegado.
            Na minha cabeça só passava uma coisa: quanto tempo ia demorar a visita? Eu tinha feito minha cabeça pra ser educado e ficar fazendo salinha pro "bacalhau" que com certeza ia estar na minha frente. Quem sabe, com um pouco de sorte, eu ainda ia ver a Gwen naquela noite e ela ia ser toda compreensiva pelo meu atraso. Quanto tempo ia demorar?
- Peter, esta é Mary Jane Watson - disse minha tia, com um sorriso no rosto.
            Fiquei estupefato. Mary Jane não era feia como eu tinha pensado. Muito pelo contrário. Era tão linda quanto Gwen. Cabelos ruivos, bem vermelhos mesmo. Olhos verdes, lábios carnudos. Confesso que fiquei dividido nesse momento. Dias atrás não pegava nem resfriado. Agora tinha uma ruiva parada na minha porta. E uma loira me esperando. Tecnicamente pra estudarmos.
            - Admita gatão! Você tirou a sorte grande! – Foi a primeira frase que MJ disse quando me viu. E foi aí que tive a certeza de que Gwen não seria nada compreensiva.
            Na noite do funeral de Gwen, Mary Jane ficou no meu apartamento, me consolando, e eu fui bastante grosso com ela. Naquela época era impossível eu ter qualquer relacionamento com MJ. Antes de a Gwen morrer, ela era toda periguete. Mas de alguma forma a morte da Gwen afetou a Mary Jane também. Acho que foi ali que ela percebeu que a vida não dura pra sempre. Que as pessoas que amamos partem. Foi depois da morte da Gwen que Mary Jane começou a amadurecer. Gwen se fora. Falecera de uma forma estúpida. Com isso, me vi obrigado a aprender a amar de novo. E foi Mary Jane quem me ensinou. Alguns anos depois começamos a namorar (lembra que eu mencionei o meu segundo grande amor?). Ela descobriu que eu era o Homem-Aranha e no começo não aceitou muito, mas depois acabou cedendo. Nos casamos.
Tantos anos já passados desde a morte da Gwen e ainda assim não consigo superar. O pouco tempo que passamos juntos pra mim foi a melhor época da minha vida, mas nada dura para sempre. Mary Jane sempre entendeu esse meu remorso por não ter conseguido salvar a vida da Gwen. Umas duas vezes ela me flagrou chorando escondido no sótão com uma foto da Gwen na mão. Pensei que ela fosse brigar comigo, mas não. Ela simplesmente me abraçou e disse: "Eu também sinto a falta dela". As duas ficaram muito amigas antes de a Gwen morrer. Tenho que confessar que essa amizade das duas me incomodava um pouco. Às vezes parecia que as duas ficavam disputando a minha atenção. Confesso que teve um momento em que eu fiquei dividido entre as duas. Mas foi o tempo quem tomou essa decisão por mim, matando uma delas. E como eu disse antes, a MJ daquela época era bem periguete, então era impossível eu ter qualquer relacionamento com ela se a Gwen não tivesse morrido.
Hoje é dia dos namorados, e mais uma vez tive aquele sonho de novo, a ponte, Gwen caindo, Gwen nos meus braços morta...
-Peter? Amor? Você está bem?
A pergunta de Mary Jane me fez voltar aos dias atuais.
-Sim, mor! Eu estou bem. Só tive um pesadelo. Desculpa ter acordado você. Volte a dormir... Eu vou ler um livro... Ou ver TV enquanto o sono não vem.
- Seu uniforme está limpo... Só volte pro café da manhã, tá?
MJ voltou a dormir. Ela sabia que só quando eu balanço em teias é que eu consigo relaxar. Esse sonho com a morte de Gwen já era rotineiro. Mas hoje era diferente. Hoje, exatamente hoje, era dia dos namorados. Nessa data tem um lugar que eu sempre visito. Ninguém sabe. Eu não dou muita bandeira. Sim, esse lugar é a ponte. A mesma ponte onde vi meu amor morrer. Vesti meu uniforme e saí. Furtei uma rosa vermelha na vizinhança e por alguma razão peguei uma velha foto de Gwen que eu sempre carrego comigo. Só queria ter um momento a sós, relembrando os momentos felizes que passei com ela...
Não que eu não ame a MJ, mas ela é uma mulher completamente diferente do que Gwen foi. Linda, independente, atrevida até. Gwen fazia o tipo mais delicadinha. As duas me conquistaram, cada uma à sua maneira. Com cada uma delas vivi uma história diferente. E Mary Jane também conheceu Gwen. Elas eram amigas. Na época em que eu namorei Gwen, MJ teve um rolinho com Harry Osborn, meu melhor amigo. Então por algumas vezes nos divertimos bastante, os quatro. Mas por causa das drogas, eles terminaram. E por causa da morte da Gwen, MJ e eu começamos a nos aproximar.E o fato de ela saber quem sou nos fez construir um relacionamento sem segredos. Por isso nos casamos.
O sol ainda não tinha nascido, e lá estava eu mais uma vez naquela ponte, revivendo os momentos mais dolorosos da minha vida. Nunca contei pra Mary Jane que eu passo aqui todo ano. Eu seria muito sacana se eu contasse isso pra ela. Embora eu sei que ela sabe que carrego comigo essa culpa pela morte da Gwen. Em todo caso, me entreguei aos meus pensamentos. Se houvesse alguma forma de voltar no tempo, eu juro que voltaria sem pestanejar, voltaria para aquele dia onde minha vida mudou, faria algo diferente para resgatar o meu primeiro grande amor, não importando as consequências. Infelizmente a vida não é como nos filmes. Não há nenhuma forma de voltar no tempo...

Nisso, um raio chamou a minha atenção. O que era estranho porque o céu estava limpo. Não havia nenhuma nuvem no céu. Mas o que era mais estranho era que o “raio” estava correndo na horizontal, sobre a água. Como isso seria possível, pensei. Até que acabei me desequilibrando da ponte e caí... tava muito longe para alcançar com a teia... O jeito era respirar fundo, e dar o maior mergulho da minha vida... Mas espera... É impressão minha ou esse raio tá vindo em minha direção? Boa, Parker! Se eu não morrer afogado, morro eletrocutado...